A Batalha do ATPV no mercado de Tecidos para Vestimentas de Proteção Térmica!

Será que o processo de Certificação pode garantir o ATPV de um Tecido de forma Confiável?

A crescente demanda por vestimentas de proteção térmica contra arcos elétricos tem impulsionado a busca por tecidos com propriedades de Resistência ao Arco Elétrico (RA), destacando-se o ATPV. Esses tecidos devem ser preferencialmente certificados e reconhecidamente eficazes, além de oferecerem propriedades fundamentais de conforto e bem-estar durante o dia de trabalho.

Mas será que todos os tecidos atendem aos requisitos de forma completa? Ou melhor ainda, será que conhecemos a margem de erro do ATPV dos tecidos que estão constituindo nossas Vestimentas de Proteção Térmica? A certificação do tecido consegue comprovar o ATPV de forma realista e a favor da Segurança?

Estas perguntas raras vezes são levantadas pela grande maioria dos responsáveis pela área de segurança, que estão mais preocupados com o valor do ATPV apresentado em um único ensaio.

Qual a confiança nos resultados dos ensaios nos Tecidos de Proteção Térmica?

Até pouco tempo pensava-se que um ou poucos ensaios em uma amostra de tecido já indicavam uma margem confiável acerca de seu rendimento térmico, por exemplo, em termos de ATPV.

Havia o entendimento que a variabilidade nos tecidos quanto ao ATPV era pequena, e que o setup de ensaios era algo estável e completamente dominado pelos laboratórios e grupos técnicos normativos, não importando muito a qualidade e controle da fabricação desses tecidos.

Na verdade, o processo está em constante aprimoramento e à medida que temos mais e mais conhecimento, começamos a compreender melhor seu comportamento e a importância do histórico ao longo do tempo de cada tipo e tecnologia de tecidos, assim como consistência da qualidade no processo produtivo e a suas certificações por organismos independentes.

Investigação internacional

O tema sobre confiabilidade de tecidos com propriedades de proteção térmica tem sido explorado recentemente em vários países do mundo e vem provocando o mercado para uma análise mais profunda a respeito do comportamento dos materiais têxteis, bem como da reprodutibilidade dos ensaios que são utilizados para determinação do ATPV e outros parâmetros de Resistência ao Arco Elétrico – RA.

Durante o IEEE ESW USA 2023, pesquisadores, empresas e laboratórios, lançaram uma provocação muito importante sobre a variabilidade dos parâmetros de caracterização dos tecidos ignífugos: Por que a resistência ao arco elétrico (do inglês arc rating) varia e qual seria seu valor correto? (tradução livre)

O trabalho revelou para amostras de tecidos enriquecidos com Modacrílico e também para tecidos enriquecidos com Aramida, num total de 756 amostras e aproximadamente 36 ensaios em dois laboratórios distintos. As variabilidades impressionaram usuários, fabricantes têxteis e também as confecções. Os tecidos com modacrílicoapresentaram variabilidade de até 41,3 % no ATPV, e os tecidos com Aramida até 32,8 %.

Dentre as principais recomendações dentro desse estudo é fundamental destacar:

1.     Os fabricantes têxteis devem fazer muitos ensaios e com isso melhorar seu conhecimento sobre o seu tecido;

2.     Também devem ser conservadores na classificação de seus tecidos, utilizando os valores de ATPV de maior segurança para garantir a proteção do usuário.

Estudos no Brasil

Ainda em outubro de 2023 o Brasil teve mais uma edição do IEEE ESW Brasil na cidade de São Paulo, junto ao Instituto de Energia e Ambiente da USP, em parceria com a ABRACOPEL (Associação Brasileira e Conscientização para os Perigos da Eletricidade). Nesse evento que segue os ritos do IEEE ESW USA, a equipe de pesquisadores da Universidade de São Paulo, apresentou dados que vão ao encontro das informações publicadas pelo IEEE ESW USA 2023.

O estudo envolveu 207 ensaios em única camada de tecido de diferentes fabricantes, a equipe do IEE USP mostrou uma variabilidade global, de cerca de 30 % em relação aos valores médios dos ensaios. O estudo avaliou ainda o comportamento ao longo do tempo de 6 tecidos de composições diferentes dentre elas os famosos “88/12”, “48% MAC, 37% CO, 15% AR”, e também de tecidos “100 % algodão”. As constatações foram semelhantes às do grupo Norte-americano, com variabilidades de até 43 % em relação aos valores declarados, num conjunto de 55 ensaios.

As duas primeiras recomendações do estudo internacional, sobre: Ensaiar ao máximo para conhecer seu tecido, e ser conservador na declaração do ATPV, foram destacadas pelos pesquisadores brasileiros. Complementando as conclusões, o estudo brasileiro aponta a tendência dos fabricantes têxteis em superestimar suas características de proteção térmica, declarando valores que teriam pouca probabilidade de ocorrência, o que pode ser crucial em uma especificação técnica.

No que confiar?

Os dois estudos apresentados discutem e apresentam a realidade sobre o processo de caracterização de tecidos de proteção térmica e considerados o componente crítico das vestimentas de proteção contra arcos elétricos.

As orientações sobre ser conservador na especificação da resistência ao arco elétrico, por exemplo em valores de ATPV, é clara e contundente em ambos os cenários de estudos. A prática, no entanto, tem revelado que nem sempre essa opção é verdadeira, e com isso o compromisso com a segurança pode ser quebrado.

Uma Análise de Riscos e um Programa de Vestimentas de Proteção Térmica exigem conhecimento sobre o processo de ensaios, e vai muito além, pois exige um histórico de anos de manufatura, inúmeros ensaios de resistência ao arco elétrico, conhecimento técnico do fabricante têxtil e a parceria entre confecção e indústria têxtil, fundamental para esta implementação.

A simples aceitação de informações de uma ficha técnica ou um único ensaio de arco elétrico sem o conhecimento histórico ou de valores cada vez mais elevados apresentados por fornecedores de tecidos pode mascarar um conjunto de informações que não estão sendo levadas em conta e representar algo que estatisticamente e tecnicamente é improvável de ser verdade.

A confiança nos resultados depende fortemente da confiabilidade e história dos fornecedores têxteis com tradição não somente na tecnologia e produção de alta qualidade, mas também no legado de exaustivos ensaios que comprovam eficácia e que revelam o caráter conservador quando falamos em segurança e preservação de vidas.

A certificação é extremamente importante, mas não é o suficiente!

O Brasil a partir de 2023 introduziu o processo de certificação compulsória de vestimentas de proteção contra efeitos térmicos de arcos elétricos e fogo repentino por meio da portaria MTP 4389. Essa mudança introduziu o uso exclusivo de normas IEC/ISO para a certificação compulsória, e especificamente na área de fogo repentino a norma NBR 16623, que tenta conciliar fatores importantes nos ensaios obrigatórios, como linha de corte para aceitação de percentuais de queima, e condições de ensaios mais restritivas onde os requisitos ISO são opcionais. Outros países como o México, por exemplo, tendem a adotar as normas internacionais, estabelecendo para as duas áreas, de arco elétrico e fogo repentino, requisitos específicos com base nesses documentos, mas adaptados ao seu cenário nacional.

A certificação internacional, no entanto, está aberta para todos os escopos normativos, como ASTM, ANSI, NFPA, entre outras normativas, e, na verdade, há uma tendência internacional de harmonização dos documentos de referência, de forma a termos cada vez mais uma mesma linguagem técnica e mesmos patamares mínimos de aceitação para os equipamentos de proteção individual ao redor do mundo.

A busca pela certificação é sem dúvida um caminho importante e demonstra a busca pela melhoria contínua da qualidade dos produtos, mas o processo não para por aí. Como apresentado anteriormente, os ensaios exaustivos para conhecer mais e melhor os tecidos que são a base dessas vestimentas de proteção térmica, é a obsessão dos fabricantes mais atentos e preocupados com seus produtos e seus resultados práticos no mercado, salvando vidas e garantindo o bem-estar de seus usuários.

Referências

1 – A. Atq et al., “Arc rating variability and repeatability: why does fabric arc rating vary and which value is correct?”. In IEEE Electrical Safety Workshop, Reno, NV (USA). November 2023. pp. 53-59

2 – NFPA 70E: Standard for Electrical Safety in the Workplace. Quincy, MA: National Fire Protection Association, 2024

3 – M. Bottaro et al., “A expectativa e a realidade dos resultados nos ensaios de caracterização de materiais para EPI contra arco elétrico”. XI IEEE ESW-Brasil 2023.

4 – Portaria nº 4389, de 29 de dezembro de 2023. D.O.U., Publicado em 29/12/2023. MINISTÉRIO DO TRABALHO E PREVIDÊNCIA.

5 – Associação Brasileira de Normas Técnicas. Vestimentas de proteção contra calor e chama provenientes do fogo repentino — Requisitos. ABNT NBR 16623. Rio de Janeiro – Brasil, 2021.

6 – ASTM F 1959: 2024, Standard Test Method for Determining the Arc Rating of Materials for Clothing. New York, NY, USA.

7 – NFPA 2112: Standard on Flame-Resistant Clothing for Protection of Industrial Personnel Against Short-Duration Thermal Exposures from Fire. Quincy, MA: National Fire Protection Association, 2023.

8 – ASTM F1506: 2022, Standard Performance Specification for Flame Resistant and Electric Arc Rated Protective Clothing Worn by Workers Exposed to Flames and Electric Arcs. New York, NY, USA.

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