
Por Maria Chies
Resumo
Este artigo técnico analisa um caso de acidente com arco elétrico durante a manobra de religamento em um sistema de baixa tensão (380 V), no qual um trabalhador qualificado utilizava vestimenta de proteção térmica com ATPV igual à energia incidente previamente estimada (9 cal/cm²). Apesar de a energia real do evento ter alcançado 15 cal/cm² — devido a falha no tempo de atuação do disjuntor —, o trabalhador não sofreu queimaduras graves. Houve, no entanto, evidência de degradação do tecido e rompimento parcial da vestimenta. O caso reforça a importância de fatores como a confiabilidade dos componentes do sistema elétrico, o uso correto dos EPIs, e principalmente a escolha de vestimentas fabricadas com tecidos que tenham um histórico robusto de ensaios e margens de proteção comprovadas.
1. Introdução
A segurança do trabalhador exposto ao risco de arco elétrico depende da combinação entre medidas técnicas de engenharia, procedimentos operacionais seguros e o uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) adequados. Entretanto, situações imprevistas, como falhas em disjuntores ou mudanças no comportamento dinâmico do sistema elétrico, podem elevar significativamente a energia incidente, colocando à prova a real capacidade de proteção das vestimentas.
Neste contexto, ganha destaque a importância de se adotar tecidos e vestimentas que apresentem desempenho além do mínimo requerido nos ensaios padronizados, garantindo uma margem de segurança positiva em eventos inesperados.
O trabalho com margens de confiança conservadoras dentro do desenvolvimento da proteção é um caminho crítico que pode ser crucial para a garantia do desempenho da proteção térmica ou ainda um desempenho além do mínimo requerido em situações reais.
2. Descrição do Acidente
Durante uma operação de religamento de um sistema elétrico de 380 V, um trabalhador qualificado realizou a manobra de energização de um painel, quando ocorreu um arco elétrico. A energia incidente prevista para o painel era de 9 cal/cm² em uma distância de trabalho de 30 cm, e o trabalhador estava protegido com vestimenta de proteção térmica que utilizava tecidos com ATPV de 9 cal/cm² — conforme análise prévia de risco.
Apesar da equivalência entre ATPV e energia incidente calculada, o trabalhador não sofreu queimaduras, mas foi registrada degradação significativa do tecido, com rupturas em algumas partes da vestimenta. A investigação técnica revelou que o disjuntor envolvido teve sua resposta retardada em cerca de 70%, o que resultou em uma energia incidente real de 15 cal/cm² no momento do evento.
Avaliando os relatórios de ensaio do tecido utilizado na vestimenta de proteção térmica, foi evidenciado um histórico robusto de ensaios de caracterização de ATPV em laboratórios distintos e ao longo de anos de experiência. A escolha conservadora do fabricante em trabalhar nos limites inferiores do ATPV em seu histórico de resultados foi uma evidência relevante no processo de investigação.
3. Fatores Técnicos Envolvidos
3.1. Falha no Disjuntor e Aumento da Energia Incidente
A falha no tempo de atuação do disjuntor evidencia um risco latente que pode não ser percebido em análises de energia incidente baseadas em condições ideais. O aumento do tempo de abertura elevou a energia incidente em mais de 60%, superando o limite de proteção previsto pela vestimenta.
Esse cenário reforça a necessidade de:
· Manutenção preventiva rigorosa e auditoria periódica dos dispositivos de proteção;
· Uso de análise de risco baseada em cenários de falha e não apenas em condições normais de operação.
3.2. Desempenho Real do Tecido: Margem de Segurança
Apesar do ATPV nominal de 9 cal/cm², a vestimenta resistiu a uma energia de 15 cal/cm² sem causar ferimentos significativos ao trabalhador. Esse comportamento só é possível quando o tecido utilizado na confecção possui:
· Histórico sólido de ensaios padronizados conforme normas técnicas como ASTM F1959 ou IEC 61482-1-1 (procedimento A);
· Análise estatística dos resultados com escolha de valores de resistência ao arco elétrico mais conservadoras para designação de características técnicas que vão compor a vestimenta de proteção térmica acabada;
· Boa estabilidade térmica e dimensional do tecido, que reduz a propagação de danos durante o evento.
A escolha de tecidos com características construtivas com base em longo histórico de estudos das propriedades físicas e químicas do material, como gramatura balanceada, estrutura de trama firme e resistência ao rasgo, garante a manutenção da qualidade e da proteção a longo prazo.
4. A Importância do Fornecedor Têxtil na Segurança
Escolher um fornecedor têxtil com experiência comprovada em proteção contra arco elétrico é um fator determinante para garantir margens de segurança positivas. Algumas características essenciais incluem:
· Histórico de ensaios com amostras consistentes ao longo do tempo, não apenas resultados pontuais de ATPV;
· Transparência nos relatórios de ensaios e dados estatísticos de desempenho térmico, com uso de laboratórios distintos e a longo prazo;
· Busca por ensaios adicionais de comportamento após múltiplos ciclos de lavagem e abrasão;
· Garantia de equilíbrio de conforto e proteção térmica nos tecidos, reduzindo a negligência ou mal uso das vestimentas de proteção térmica;
· Compromisso e responsabilidade ambiental, garantindo a cadeia sustentável no ciclo de vida dos tecidos de proteção térmica.
5. Uso Correto da Vestimenta: Fator Decisivo
Mesmo a melhor vestimenta perde sua eficácia se utilizada de forma inadequada. O uso correto inclui:
· Fechamento completo de zíperes, botões e velcros;
· Uso combinado com outros EPIs (luvas, proteção facial, balaclava);
· Tamanhos adequados e peças em bom estado de conservação;
· Treinamento periódico sobre a importância da barreira térmica contínua.
Aspectos como conforto, respirabilidade, transporte de umidade, entre outros, podem ser decisivos no uso correto das vestimentas mesmo nas condições laborais mais complexas e extremas.
6. Conclusões e Lições Aprendidas
O caso analisado oferece lições valiosas para a prevenção de acidentes com arco elétrico:
· Falhas em componentes elétricos são imprevisíveis, e a análise de risco deve considerar cenários além da condição nominal;
· A seleção de vestimentas com base apenas no valor de ATPV máximo ou resultante de poucos ou um ensaio, é uma abordagem frágil frente a situações reais;
· Fornecedores têxteis comprometidos com a segurança, que desenvolvem tecidos com desempenho comprovado além dos requisitos normativos, proporcionam uma margem de proteção crítica para salvar vidas;
· O uso correto das vestimentas é indispensável para a integridade física do trabalhador, e nesse sentido o conforto pode ser decisivo.
7. Recomendações Finais
· Adotar políticas de aquisição de EPIs com base em desempenho histórico e qualidade construtiva, e não somente no preço;
· Exigir dos fornecedores laudos completos, histórico de ensaios e referências técnicas sobre resistência ao arco elétrico;
· Revisar periodicamente os estudos de energia incidente com base no estado real dos equipamentos;
· Garantir treinamentos contínuos sobre uso correto de vestimentas de proteção térmica e procedimentos de segurança.