
Parte 2 – Implicações Práticas e Critérios Técnicos para Seleção de EPIs
Por Maria Chies – Especialista em riscos térmicos
A Dinâmica da Exposição ao Risco: Movimento e Energia Incidente
Você acredita que a energia incidente sobre o trabalhador é um parâmetro que não está sujeito a variações?
Existem muitos acidentes reportados por profissionais de engenharia e segurança, onde alterações em cargas de circuitos ou principalmente, em tempos de atuação de proteções elétricas, resultaram em elevação drástica da energia incidente de arcos elétricos, e consequentemente acabaram em fatalidade.
Mas não é somente nesses casos em que percebemos a dinâmica na análise da energia incidente!
A energia incidente pode ser encarada como uma grandeza que varia significativamente com a distância do trabalhador à fonte e, principalmente, com a sua movimentação no ambiente de trabalho. Qualquer aproximação em direção à fonte de energia – mesmo que pequena – pode elevar a energia incidente de forma quadrática, devido à relação considerada aproximadamente inversa com o quadrado da distância.
Portanto, se um trabalhador posicionado a uma distância calculada para 1,2 cal/cm², der um passo à frente em direção ao ponto de ocorrência do arco elétrico, ele pode facilmente estar exposto a valores significativamente superiores de energia incidente. Isso representa uma mudança drástica na severidade do risco, e exige que a seleção do EPI leve em consideração margens de segurança reais e não apenas valores nominais de ATPV.
O perigo do maior ATPV como único critério
No campo prático há uma tendência preocupante: a escolha de uma vestimenta baseada no maior ATPV já obtido em algum ensaio, independentemente da consistência do desempenho térmico ao longo do tempo ou da variação entre amostras.
É importante que você saiba que essa prática pode mascarar falhas potenciais, principalmente em tecidos cuja performance térmica não tenha um histórico robusto de avaliações dentro dos mais diversos tipos de ensaios, ou certificações dentro dos padrões mais rigorosos estabelecidos por organismos de certificação com relevância no mercado.
Além disso, a movimentação dos trabalhadores não é um fator contemplado nos ensaios laboratoriais, os quais são realizados com a amostra fixa e perpendicular à fonte de calor. Em campo, o cenário é dinâmico: inclinações, giros, agachamentos e o próprio deslocamento em direção aos condutores energizados são comuns. Cada um desses movimentos altera o ângulo e a área de exposição do corpo, e consequentemente a energia incidente no trabalhador.
Portanto, adotar o maior ATPV registrado como valor de referência absoluto ignora totalmente a variabilidade real das exposições térmicas, criando uma falsa sensação de segurança.
A recomendação dos estudos internacionais seria utilizar valores conservadores, baseados em um histórico de ensaios e em simulações realistas de campo, incluindo a análise dos piores casos operacionais possíveis. Uma integração efetiva das especificações técnicas das vestimentas e tecidos de proteção térmica ao processo de análise e gerenciamento de riscos.
O LAS como ferramenta integradora
Você já começa a compreender, a partir daqui que neste cenário o LAS se torna um elemento-chave de integração entre o risco estimado e a proteção efetiva requerida.
O LAS permite estabelecer uma distância segura operacional para os trabalhadores que orientam, auxiliam ou acompanham as tarefas (mais distantes), mas também atua como base para a validação da eficácia do EPI utilizado pelo executor.
O LAS é definido com base na energia incidente de 1,2 cal/cm², derivado do estudo de Alice Stoll, no entanto em virtude das variações no sistema e com isso nas tolerâncias atribuídas aos cálculos, nem sempre será possível abrir mão de uma vestimenta de proteção quando os valores obtidos se encontram próximos a esse limiar. É uma análise de riscos bastante complexa e seu caráter conservador sempre deve ser respeitado.
Nesse sentido, nas áreas onde as energias incidentes superam o limiar do LAS, a vestimenta de proteção térmica deve ser selecionada com uma margem suficiente para cobrir as variações de energia que ocorram com movimentações dentro daquela zona. Ou seja, a vestimenta não deve simplesmente ser selecionada com base em uma condição estática, mas sim estar preparada para valores de energia incidente que ocorrerão em situações reais de trabalho.
Outros fatores a serem levados em consideração
Compondo a gestão da proteção nos ambientes de trabalho, alguns pontos adicionais devem ser levados em conta:
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A validade da vestimenta em relação ao número lavagens – um importante diferencial d a tecnologia Westex® é a validade indeterminada apresentada na etiqueta;
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O estado da vestimenta (envelhecimento, lavagens, contaminação);
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A homogeneidade de proteção em todas as partes do corpo (mangas, costas, pernas);
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A combinação do EPI com outros elementos de proteção, como luvas, capuzes e protetores faciais;
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A necessidade de treinamento dos trabalhadores sobre as limitações das vestimentas de proteção térmica e o significado técnico do ATPV.
Conclusão
A correlação entre o LAS e o ATPV vai além de uma relação numérica. Ela representa a interface entre o risco real do campo e a proteção fornecida por uma vestimenta de proteção térmica, e exige um olhar técnico, crítico e embasado em dados concretos. A segurança dos trabalhadores sob tensão não pode ser baseada apenas no cumprimento formal de uma norma, mas sim na compreensão profunda dos mecanismos de risco, da variabilidade operacional e da performance térmica real das vestimentas de proteção térmica e outros EPIs.
É papel de especialistas, engenheiros de segurança e profissionais da indústria elétrica promover uma cultura de segurança embasada, onde a seleção de vestimentas vá além de catálogos e laudos pontuais, e reflita o compromisso genuíno com a integridade dos trabalhadores.