Proteção Térmica Contra Efeitos do Fogo Repentino

Parte 1 – Análise de Riscos e Requisitos Técnicos para Tecidos e Vestimentas

Por Maria Chies

A proteção contra fogo repentino (flash fire) é essencial em ambientes com atmosferas potencialmente inflamáveis, como nas indústrias de petróleo, gás, petroquímica, química e mineração. A Norma NFPA 2112, publicada pela National Fire Protection Association, é a referência internacional mais importante, sendo adotada em diversos documentos nacionais e internacionais, e estabelece os requisitos mínimos de desempenho para tecidos resistentes a fogo de curta duração e a calor e chamas, visando reduzir a gravidade das lesões em caso de exposição a uma explosão de vapores inflamáveis. Mas há muito mais sobre esse perigo que precisamos saber!

Este mês vamos trazer para você, em dois artigos técnicos exclusivos, uma visão técnica aprofundada sobre análise de riscos, requisitos normativos, ensaios e critérios que garantem a segurança dos trabalhadores, além de destacar os principais pontos de atenção na seleção e certificação de vestimentas contra os efeitos de um fogo repentino.

Então siga comigo e boa leitura…

Compreendendo o Risco do Fogo Repentino

Você sabe o que significa o termo Fogo Repentino?

O fogo é uma complexa reação química que requer três componentes para ocorrer: uma fonte térmica, ou calor, oxigênio e combustível.

O combustível pode conter hidrocarbonetos de vários números, tipicamente encontrados nos ambientes de óleo e gás. Até mesmo poeira combustível pode alimentar um fogo repentino.

Uma vez em que o ar e o combustível estão na mistura correta, a ignição pode ocorrer a partir de várias fontes, como a solda, faíscas de ferramentas, motores em funcionamento etc.

O fogo repentino é um perigo distinto do fogo alimentado por combustível. É uma combustão súbita de vapores inflamáveis em alta velocidade e quantidade limitada destes valores, em sua grande maioria de curta duração (inferior a 3 segundos), sem necessariamente produzir uma explosão com onda de choque. Os acidentes com fogo repentino podem causar lesões graves por queimaduras, sendo que as vítimas são expostas nesse pequeno intervalo de tempo, a uma radiação térmica intensa.

Como elaborar uma Análise de Riscos conforme a NFPA 2112?

Aqui ocorre uma confusão comum, já que a norma mais conhecida internacionalmente e correlacionada diretamente ao fogo repentino é a NFPA 2112.

A análise de riscos em ambientes com atmosfera potencialmente inflamável leva em conta fatores de riscos térmicos, e essencialmente níveis de aceitação para queimaduras de segundo e terceiro grau, que sofrerão influência de fatores adicionais na tomada de decisão sobre mitigação dos riscos e ações de proteção pessoal.

Nesse sentido, a NFPA 2112 define critérios dos materiais têxteis utilizados na confecção dos macacões para proteção contra esse tipo de risco, mas a seleção da vestimenta deve ser precedida por uma Análise de Riscos Térmicos. Essa análise é detalhada na NFPA 2113, norma utilizada no processo de seleção, uso e cuidados com vestimentas de proteção contra efeitos térmicos de curta duração. A análise de riscos nessa norma leva em conta fundamentalmente:

  • Identificar potenciais fontes de ignição e ambientes com atmosferas inflamáveis;

  • Avaliar a probabilidade e severidade da exposição térmica de curta duração;

  • Determinar a necessidade de vestimentas de proteção térmica certificadas com base nessa análise;

  • Garantir que o vestuário selecionado esteja em conformidade com a NFPA 2112.

Essa análise permite determinar se há necessidade de uso da vestimenta de proteção térmica, preferencialmente uma vestimenta de uso integral – adequada a seu uso diário durante a jornada de trabalho, e vai orientar a definição do tipo de tecido e grau de proteção adequado.

A NFPA 2112 garante a adequação da vestimenta à análise de riscos?

É importante ter em mente que a NFPA 2112, como norma de especificação técnica, traz os requisitos mínimos para os tecidos e para o macacão padrão de proteção térmica contra os perigos do fogo repentino, sendo assim um ponto de partida para o processo de seleção.

Em linhas gerais a norma estabelece um percentual de queima corpórea total máximo de 50 % (incluindo a cabeça, mas excluindo pés e mãos) quando utilizado um tecido de proteção térmica.

Fatores adicionais na análise de riscos podem demandar requisitos mais restritivos no processo de seleção, uso e cuidados. Aqui vamos listar alguns muito importantes:

  • Disposição física e rotas de fuga

  • Barreiras ou reservas físicas segura – destino de fuga

  • Ações para resfriar o corpo da vítima

  • Tempo de remoção da vítima até local de atendimento médico

  • Infraestrutura regional de assistência a queimados

As rotas e tempo de fuga são cruciais e são considerados desde os primeiros estudos sobre queimaduras em acidentes com fogo de curta duração. Certas composições têxteis continuam a transferir mesmo após a extinção das chamas, mas é fundamental evitar o desespero ao remover as vestimentas. O ideal é equilibrar a situação e retirar as roupas com cuidado, visando preservar a integridade da pele e favorecer o processo de resfriamento. A refrigeração da pele é essencial para interromper a progressão das queimaduras de primeiro, segundo e terceiro grau.

O encolhimento excessivo pode comprometer significativamente o processo de retirada da vestimenta, sendo, portanto, um parâmetro crítico a ser avaliado durante os ensaios com manequim instrumentado. Em determinados casos, o grau de encolhimento impede a abertura convencional da vestimenta, exigindo o corte do tecido para a sua remoção. Essa condição é considerada inaceitável para equipamentos de proteção individual (EPI), pois compromete a segurança e a eficácia do resgate em situações de emergência.

Todas essas informações são detalhadas nos estudos de Alice Stoll, a maior referência na área até os dias de hoje.

O tempo de remoção da vítima e o início dos procedimentos de tratamento médico especializado são fatores cruciais, podendo influenciar diretamente o prognóstico do paciente e, em muitos casos, representar a diferença entre a recuperação e o risco de óbito.

Todos esses fatores podem interferir e reduzir os percentuais de aceitação das queimaduras de segundo ou terceiro grau, o que discutiremos em nosso segundo artigo!

Requisitos para Tecidos e Vestimentas Segundo a NFPA 2112

A NFPA 2112 define requisitos mínimos para tecidos utilizados em vestimentas contra fogo repentino. Alguns dos principais ensaios incluem:

  • Desempenho a transferência de calor (Heat Transfer Performance – HTP)

  • Resistência à chama vertical (ASTM D6413)

  • Resistência ao Calor e Encolhimento térmico

  • Resistência à transferência térmica em exposição ao fogo repentino, avaliada pelo método do manequim instrumentado (ASTM F1930).

  • Estabilidade dimensional e resistência mecânica após lavagem.

Ensaio com Manequim Instrumentado: ASTM F1930 e ISO 13506-1 e -2 (equivalentes internacionais)

O ensaio ASTM F1930 é considerado o mais representativo do desempenho de uma vestimenta frente ao fogo repentino. Nele, um macacão padrão é confeccionado e vestido em um manequim instrumentados com sensores de temperatura (um mínimo de 100 calorímetros), exposto a diversos emissores de chama com intensidade média de 84 kW/m², por um tempo de 3 segundos. Os resultados são baseados na média de três amostras de macacão padrão de ensaio.

De acordo com Stoll: Os ensaios de calor de contato com chamas foram convencionados em 3 segundos, tempo de fuga de um indivíduo normal saudável correndo através de 25 – 30 pés de chamas (aproximadamente 7,5 a 9 metros), com velocidade de 10 pés por segundo (aproximadamente 3 metros por segundo – 10,8 km/h).

Esse macacão padrão tem como objetivo a avaliação do Tecido, e por isso contém o mínimo de elementos acessórios e de aviamentos para constituir esse corpo de prova que devem ser idênticos e em réplicas de 3 amostras.

O processo de previsão de queimaduras de 1º, 2º e 3º graus, em porcentagem da superfície corporal, com base na temperatura absoluta obtida nos procedimentos de ensaio, é originado por modelos de estimativa de danos a pele diversos, e desta forma é mais complexo que os adotados nos procedimentos de análise queimaduras por arco elétrico.

Como já apresentei anteriormente, a NFPA 2112 exige que a vestimenta completa apresente menos de 50% de previsão de queimaduras totais (excluindo-se mãos e pés), sendo esse um limite de aprovação. Segundo especialistas em tratamento de queimados, esse parâmetro representa um limiar clínico importante, pois índices superiores a 50% de área corporal queimada estão associados a riscos significativamente elevados de complicações sistêmicas, infecções graves e alta mortalidade, tornando essencial a limitação das lesões já na fase de proteção inicial.

Equivalência com ISO 13506

A norma ISO 13506 é internacionalmente reconhecida e realiza ensaios com manequim térmico. Em sua Parte 1 (ISO 13506-1), estabelece o arranjo de ensaio, e segue metodologia semelhante à ASTM F1930, porém com algumas variações nos critérios de ensaio. Em sua parte 2 (ISO 13506-2) explora os modelos de estimativa de queimaduras na pele, sendo também equivalentes a ASTM F1930, com algumas diferenças no procedimento e apresentação dos resultados. Muitos laboratórios utilizam ambas as metodologias, pois há uma equivalência técnica consolidada.

A norma não estabelece requisitos, e dessa forma o percentual limite de queima total ou mesmo parcial do corpo é definido pela análise de riscos ou por outros documentos normativos e regulatórios que façam menção ao documento.

No Brasil, a portaria que regulamenta a certificação de vestimentas de proteção contra efeitos térmicos de Fogo Repentino faz uso da Norma de requisitos ABNT NBR 16623, que estabelece um limite de 40 % de queimadura corpórea total, excluindo-se mãos, pés e cabeça, algo que acaba traçando uma equivalência com a NFPA 2112.

Um ponto de destaque na norma brasileira é a necessidade de ensaio no manequim instrumentado não somente na vestimenta padrão, que objetiva a avaliação do tecido, mas também na vestimenta final, que objetiva uma avaliação do EPI pronto, aproximando-se da filosofia da ISO. Nesta concepção os ensaios devem ser conduzidos com vestimentas reais, representativas do modelo comercializado, com costuras, zíperes, etiquetas e todos os componentes que compõem a peça final.


Agora você aprofundou seu conhecimento e entendeu melhor os pontos cruciais da análise de riscos e dos requisitos para tecidos e vestimentas de proteção contra o fogo repentino?

Em nosso próximo artigo, abordaremos a importância da certificação completa dos tecidos e vestimentas, critérios fundamentais na escolha dos EPIs, implicações de queimaduras em áreas corpóreas totais superiores a 20% e os cuidados com a manutenção, auditoria e uso correto das vestimentas ao longo de sua vida útil.

Referências

1. A. M. Stoll and M. A. Chianta. 1970, “Heat Transfer Through Fabrics as Related to Thermal Injury”, Ann. N. Y. Acad. Sci., Vol. 33, pp. 649-670.

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