
Parte 1 – Fundamentos e Riscos Associados
Por Maria Chies – Especialista em riscos térmicos
Introdução
O trabalho sob tensão é uma das atividades mais críticas no setor elétrico, exigindo rigor técnico, normas bem definidas e equipamentos de proteção individual (EPIs) cuidadosamente selecionados. Especificamente quando falamos de exposição ao risco de arco elétrico, dois conceitos fundamentais nesse contexto são o Limite de Aproximação Segura (LAS) e o Valor de Desempenho Térmico ao Arco Elétrico (ATPV – Arc Thermal Performance Value). Você já ouviu falar deles?
Este mês eu trago para você um artigo, dividido em duas partes, que propõe discutir a inter-relação entre esses dois parâmetros, destacando suas limitações, riscos associados e o papel essencial de uma abordagem criteriosa na proteção dos trabalhadores. Aproveite a Leitura!
O que é o LAS?
O LAS representa a menor distância em que um trabalhador pode se aproximar de um ponto energizado sem a necessidade de utilizar EPIs específicos contra os efeitos térmicos do arco elétrico. Este limite é estabelecido através do cálculo do nível de energia incidente, com base em diversas variáveis relacionadas aos parâmetros elétricos da instalação, como a tensão do sistema, corrente de curto-circuito e tempo das proteções, com o objetivo de evitar queimaduras de segundo grau, que têm como limiar crítico a energia de 1,2 cal/cm², segundo a literatura técnica.
Contudo, essa referência de 1,2 cal/cm², embora amplamente aceita, não deve ser interpretada como um ponto absoluto de segurança!
Você sabia que a dinâmica dos trabalhos sob tensão envolve movimentações involuntárias ou operacionais em direção à fonte de energia?
Pois essas alterações de distância podem aumentar quadraticamente a energia incidente, elevando o risco de queimaduras mesmo em áreas inicialmente consideradas seguras.
ATPV: Muito além de um único valor
O ATPV é o valor numérico atribuído a uma vestimenta de proteção térmica, em cal/cm², que em um processo de seleção deve ser igual ou superior a energia incidente calculada dentro de um processo de análise de riscos para trabalhos sob tensão.
Desta forma o ATPV é sim um parâmetro crítico para proteção contra queimaduras de segundo ou terceiro grau que podem ocorrer em um acidente por arco elétrico, sendo comumente obtido por meio de ensaios conforme normas técnicas estrangeiras como a ASTM F1959/F1959M (referenciada pela ASTM F1506) e internacionais como a IEC 61482-1-1 (referenciada pela IEC 61482-2).
Embora essas normas permitam, do ponto de vista metodológico, a determinação do ATPV a partir de um único ensaio com validações estatísticas, tal prática deve ser analisada com extrema cautela.
Então é somente calcular a energia incidente e selecionar um EPI com um ATPV maior ou igual a este cálculo, levando em conta o processo de redução de Energia Incidente?
É o procedimento adequado, mas não é tão simples assim! Alguns fatores como o inventario físico dos equipamentos e seu processo de análise de risco dinâmico também devem ser levados em consideração, além da posição do trabalhador, seus auxiliares e o entorno.
Já sabemos que o processo como um todo envolve uma análise de riscos detalhada e levando em conta características das instalações elétricas que nem sempre vão depender de um cálculo, simulação ou software, ou mesmo ajustes para redução da energia incidente…vamos para um exemplo onde podemos perceber a profundidade do problema:
Imagine uma sala elétrica onde estão dispostos dois equipamentos ou conjunto de equipamentos, frente a frente, com distanciamento de 2m e com energias incidentes diferentes estabelecidas no processo de análise e cálculos. Como devemos nos portar ante a seleção nesse cenário?
A seleção da sua vestimenta de proteção térmica deve respeitar cada atividade, mas o maior valor de energia incidente, a depender das atividades que estão sendo realizadas, deve ser levado em consideração. Esse é o típico procedimento de alta complexidade que vai demandar mais do que um cálculo ou simulação, mas sobretudo a experiência da equipe técnica e do fornecedor de vestimentas de proteção térmica.
Um outro olhar na Certificação de uma Vestimenta de Proteção Térmica
Você foi informado pelo seu fornecedor têxtil que todos os materiais apresentam variabilidade no ATPV?
Aqui é importante que você tenha em mente que somente um histórico robusto e a experiência e conhecimento profundo nos produtos têxteis fornecidos é que podem fazer a diferença na segurança!
Além da preocupação com os ensaios para fins de certificação das vestimentas de proteção, cada vez mais os usuários elevam sua preocupação devido a fatores como condições ambientais, lote de fabricação, envelhecimento da vestimenta, contaminação com óleos ou sujeiras, entre outros.
“Um fator de extrema relevância é o método de confecção, que pode comprometer seriamente a representatividade quando trabalhamos com um único resultado de laboratório.”
Assim, torna-se evidente a importância de um histórico robusto de ensaios, que permita verificar a reprodutibilidade e a consistência do desempenho térmico de uma vestimenta ao longo do tempo.
A prática de se atribuir o maior ATPV obtido como valor nominal de proteção, sem considerar as variações reais da exposição, é não apenas pouco criteriosa, como também perigosa, especialmente em tarefas dinâmicas nas quais o LAS pode ser involuntariamente violado.
Neste sentido, pode ocorrer antes mesmo da ignição do tecido, a ruptura do mesmo, devido a superestimação de seu desempenho térmico, levando a consequências graves ao trabalhador!
O papel do LAS na seleção de EPIs para as equipes de trabalho
Você sabia que o LAS não se restringe apenas ao trabalhador que executa a atividade direta em um sistema energizado? Isso é um fato importantíssimo! O LAS também orienta a seleção de EPIs para os trabalhadores que acompanham ou auxiliam os trabalhos sob tensão.
Embora não estejam operando diretamente os equipamentos, trabalhadores que permanecem em áreas de risco ou no perímetro delineado como perigoso em caso de acidentes com arcos elétricos vão necessitar de EPIs para proteção térmica. É uma abordagem muito diferente de uma análise de riscos para choque elétrico, e essa abordagem é essencial, pois garante uma proteção homogênea da equipe e evita zonas de vulnerabilidade em função de movimentos imprevistos, que podem aproximar esses trabalhadores de apoio de zonas com valores de energia incidente acima dos limites de segurança.
E continue atento a nossas publicações!
Na Parte 2, aprofundaremos a análise das consequências práticas dessa correlação entre ATPV e LAS, explorando cenários de campo, estudos de caso e recomendações para uma abordagem técnica mais segura e realista.
Referências
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NFPA Standard for Electrical Safety in the Workplace, NFPA 70E, 2024
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ASTM Standard Test Method for Determining the Arc Rating of Materials for Clothing. ASTM F 1959: 2024.
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IEC Standard: Live working – Protective clothing against the thermal hazards of an electric arc – Part 1-1: Test methods – Method 1: Determination of the arc rating (ELIM, ATPV and/or EBT50) of clothing materials and of protective clothing using an open arc, IEC 61482-1-1: 2019.
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A. Atiq and J. Cliver, “How Variability in Arc Ratings is Stifling Innovation in Development of Arc Rated Clothing,” 2024 IEEE IAS Electrical Safety Workshop (ESW), Tucson, AZ, USA, 2024
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A. Atq et al., “Arc rating variability and repeatability: why does fabric arc rating vary and which value is correct?”. In IEEE Electrical Safety Workshop, Reno, NV (USA). November 2023. pp. 53-59.